quinta-feira, 21 de julho de 2011 6 comentários

ENTREVISTA: Lidiane Nunes

"É, justamente, 'em tempos de penúria' que a literatura se faz mais necessária"


Não tenho pretensões de sacralidade, nem de fama.
Escrevo por pura necessidade. 
Professora de Literatura, graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Lidiane Nunes é especialista em Estudos Literários, pela mesma instituição e, sobretudo, poeta. Participou da Antologia concurso feirense de poesia Godofredo Filho em 2010 e da coletânea Sangue Novo: 21 poetas baianos do século XXI, organizada pelo poeta José Inácio Vieira de Melo e publicada pela Escrituras Editora, em 2011. Além disso, mantém o blog Deslocamentos.

Você participa da coletânea organizada pelo poeta José Inácio Vieira de Melo que será lançada no próximo sábado dia 23. Você se sente um Sangue Novo no cenário poético baiano?

Sim, acredito que um “sangue novo” é uma ótima definição para o que considero ser dentro do cenário poético baiano. Não me sinto uma poeta pronta, se é que estarei pronta algum dia. Pelo contrário, desconfio sempre do que escrevo. O que sei é que amo escrever, amo ser lida, sou apaixonada pela arte literária, pela poesia; no entanto, sei que inicio a minha caminhada agora e ainda tenho uma longa estrada pela frente.

Como definiria a sua linguagem poética? O que a torna consoante com a sua contemporaneidade?

Não sei definir bem a minha linguagem poética. Acho que sou um tanto pessimista quando escrevo. Os meus versos são tristes, quase sempre. E a minha escrita é sucinta. Não consigo escrever poemas longos. Gosto de dizer o que sinto com poucas palavras. Talvez, essa linguagem mais breve, mais rápida e esse ceticismo diante da vida e do próprio ser humano, seja o que a torna mais consoante com o mundo contemporâneo.

Muito se analisa a poesia contida no cinema, às vezes se dá o inverso. É sabido que você é uma cinéfila. O quanto a sétima arte influência seus versos? Ela seria um leitmotiv de suas composições?        

Sou mesmo uma cinéfila de carteirinha e, sem dúvida, isso influencia os meus versos. Não apenas já fiz do assunto de um filme o leitmotiv de minhas composições, como a forma fragmentada do cinema tem me ensinado bastante. Devo muito à sétima arte.

No livro Seis Propostas para o Próximo Milênio, Italo Calvino nos diz que a literatura tem como função existencial a busca da leveza como reação ao peso do viver. Já Hölderlin, em uma de suas composições, provoca reflexão por meio da pergunta: "para que poetas em tempos de penúria?" Você concorda com Calvino? Como responderia a indagação de Hölderlin?

Responderia a Hölderlin dizendo que é, justamente, “em tempos de penúria” que a literatura se faz mais necessária. Dino Buzzati nos ensina que há sempre uma dor que é só nossa, uma dor que ninguém pode tomar para si. Eu concordo com essa assertiva e acho que essa dor intransferível apenas pode ser aliviada pela arte ou por alguma paixão. A arte de modo geral, o cinema, a literatura tem esse poder, de aliviar o “peso do viver”, como defende Calvino. A literatura, em particular, nos encanta, nos enleva, nos ensina, nos faz refletir, nos torna melhores ou, pelo menos, traz mais sensibilidade e beleza para nossa existência precária. É claro que, por outro lado, ela nos oferece uma visão mais ampla do mundo que, talvez, acabe tirando aquela nossa alegria inconsciente. No entanto, prefiro assim. Não consigo imaginar um mundo sem literatura, sem arte. E fico com a definição de Fernando Pessoa, para quem a arte é “aquela que alivia da vida, sem aliviar de viver”.


Nestes tempos de poeta dessacralizado, qual esperança a leva a publicar? O que espera do lançamento e do pós-lançamento?

Estaria mentindo se dissesse que não pretendo ser lida. Escrevo para ser lida e fiquei muito grata ao José Inácio pelo convite para participar da coletânea Sangue Novo. Espero, com este lançamento, que a poesia que se faz na Bahia, principalmente, pelos jovens escritores, seja mais divulgada, mais valorizada. Quanto ao pós-lançamento, quero continuar escrevendo, rabiscando meus versos. Estou com outro livro quase pronto, que espero publicar, em breve. Mas não tenho pretensões de sacralidade, nem de fama. Escrevo por pura necessidade. É uma maneira de lançar o meu grito, de quebrar o silêncio que faz morada em mim. É uma forma de me deslocar para o lugar que melhor me encontro. E se for lida por meus amigos, por aquelas pessoas especiais em minha vida e por mais alguns poucos que, por acaso, apreciem o meu fazer poético, estarei satisfeita.

A poesia é divina ou profana? Rainha ou cortesã?

As duas coisas. Ernst Fischer nos diz que a poesia é, essencialmente, magia. Murilo Mendes dizia ser “da raça do Eterno”. O poeta é “a antena da raça”, nos sinalizou Ezra Pound. Sim, a poesia é divina, mas também é profana, uma vez que é o reflexo das inquietações do homem. O poeta é um ser de sensibilidade ímpar, mas que vive numa constante crise de alma, como qualquer mortal. E, para mim, a poesia é a soma de tudo isso.

Que mensagem gostaria de deixar para aqueles que querem ingressar no mundo do fazer poético?

Gostaria de dizer que leiam muito, que escrevam, que se arrisquem com as palavras - uma luta que vale a pena – e que não tenham pressa em publicar, porque a nossa estrada é comprida e cada passo que damos nessa peregrinação poética é um aprendizado, um amadurecimento. No mais, espero mesmo que tenhamos muitos “sangues novos”, fatalizados pela poesia.

Um pouco da arte de Lidiane Nunes:



EPIFANIA

Picasso: Mulher Nua em Poltrona Vermelha
Me vesti de primavera,
pintei o meu rosto
e fui sorrindo
me encontrar.

Você depositou em mim
o teu olhar seguro,
adormeci nos teus braços
e, só assim, 
pude sonhar.

Sonhei que era uma rocha
pronta a enfrentar
a correnteza do rio.

Mas uma brisa passou
e eu despertei: 
nua, sentindo frio.
 

6 Response to ENTREVISTA: Lidiane Nunes

22 de julho de 2011 às 05:10

Quando penso que a entrevista foi ÓTIMA, vem uma nova AINDA MELHOR! É muito bom termos um espaço como esse, somos nós que acabamos ganhando muito.
Mais uma vez PARABÉNS e, muito Obrigada!!

Souza
22 de julho de 2011 às 06:23

Hummmm... sei não, viu?
Essa parece ser mais uma das tristes invenções do senhor JIVM, dá calafrios.

22 de julho de 2011 às 11:12

Eu fico TÃo feliz em ver Lidiane caminhando e depositando no mundo suas palavras.
Essa é uma torcida pela sua literatura e uma torcida de amiga também.
Parabéns, meninas!
Beijos,
Renata

23 de julho de 2011 às 13:54

Na mosca, Lidiane. Ótima entrevista: sóbria, com palavras que assentam e sem pose de artista incompreendido. Você vai longe.

25 de julho de 2011 às 06:45

Muy buena, Lidi, tua entrevista.
Belas palavras. Parabéns!!

29 de julho de 2011 às 12:06

Decola menina, decola...